Monday, January 15, 2007

Por Platão

Da "Apologia de Sócrates"

(Sócrates defende as suas idéias e não a si mesmo, condenado que foi a tomar sicuta, veneno mortal, quando lhe restava a saída de viver e de certa forma morrer em vida, mentindo ao aceitar as acusações que lhe pesavam)

As principais apologias de Sócrates são de Platão e Xenofonte e existem os escritos daqueles que criticam Sócrates e o condenam também.

"Desconheço, atenienses, que influência tiveram meus acusadores em vosso espírito; a mim próprio, quase me fizeram esquecer quem sou, tal o poder de persuasão de sua eloqüência. De verdades, porém, não disseram alguma. Uma, sobretudo, me espantou das muitoas perfídias que proferiram: a recomendação de precaução para não vos deixardes seduzir pelo orador formidável que sou. Com efeito, não corarem de me haver eu de desmentir prontamente com os fatos, ao mostrar-me um orador nada formidável, eis o que me pareceu a maior de suas insolências, salvo se essa gente chama formidável a quem diz a verdade; se é o que entendem, eu admitiria que, em contraste com eles, sou um orador. Seja como for, repito-o, de verdades eles não disseram alguma; de mim, porém vós ouvireis a verdade inteira. Mas não, por Zeus, atenienses, não ouvireis discursos como os deles, aprimorados em substantivos e verbos, em estilo florido; serão expressões espontâneas, nos termos que me ocorrem, porque deposito confiança na justiça do que digo; nem espere outra coisa qualquer de um de vós. Verdadeiramente, senhores, não ficaria bem, a um velho como eu, vir diante de vós modelar seus discursos como um rapazinho. Faço-vos, contudo, um pedido, atenienses, uma súplica premente; se ouvirdes, na minha defesa, a mesma linguagem que habitualmente emprego no praça, junto das bancas, onde tantos dentre vós me haveis escutado, e em outros lugares, não a estranheis nem vos revolteis por isso. Acontece que venho ao tribunal pela primeira vez aos setenta anos de idade; sinto-me, assim completamente estrangeiro, sem dúvida me desculparíeis o sotaque e o linguajar de minha criação; peço-vos nesta oportunidade a mesma tolerância, que é de justiça a meu ver, para a minha linguagem, que poderia ser talvez pior, talvez melhor, e que examineis com atenção se o que digo é justo ou não. Nisso reside o mérito de um juiz; o de um orador, em dizer a verdade." (...)

Segue a Apologia de Sócrates para aqueles que estão destinados a lê-la ou a ouvi-la, para aqueles que ensaiam defesas e acusações feitas na melhor base, senão a única legítima: com base na verdade, base sólida e forte, mas que pode não salvar a vida do corpo físico, pois este tipo de defesa busca antes a honra do que a vida, a humanidade do que o indivíduo, sua honra e, a evolução do Planeta como um todo. Talvez por esses motivos tão óbvios a defesa socrática esteja tão fora dos tribunais, das salas de aula e somente faz parte daqueles que descobriram verdadeiramente a própria força que não é propriamente "própria força", mas é a força de uma fonte de onde jorra água pura, a água da vida e do espírito que vai além da limitação do indivíduo para se tornar universal. E aí podemos nos perguntar sempre onde vale a pena a verdade ser dita pela verdade. As conseqüências sociais podem mesmo ser desastrosas, mas com o tempo estas verdades podem e devem operar milagres, purificando almas e consciências para um mundo melhor.

Do livro

Os pensadores

Sócrates

Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha

Tradução de Enrico Corvisieri Mirtes Coscodai

Editora Nova Cultural